Acredito que você, meu caro leitor, nunca parou  para  pensar, a não ser que já tenha se submetido à análise, que nós adultos somos o  resultado do 1º vínculo que estabelecemos com a nossa mãe!

O que gostamos,  o que não gostamos, a nossa paciência, a nossa irritabilidade, enfim todo colorido da nossa vida, que é dado pelas emoções, é fruto da relação primeiramente com a mãe, depois com o pai e na sequência com irmãos, tios, avós, amigos, assim por diante até os 5 anos de idade. Eis aí a formação da nossa personalidade!

 

Você pode estar se perguntando! O que isso tem haver com a dependência química?

Eu posso afirmar! Tudo!!!

 

Mas para dar respaldo a essa afirmação, trago algumas fundamentações e reflexões, embasadas em autores psicanalíticos, bem como da minha própria formação como psicóloga psicanalista e de observações feitas em consultório do universo do dependente químico em relação aos seus pais.

Todos vocês, concordam que o bebê ao nascer depende fundamentalmente dos cuidados maternos ou de uma pessoa que exerça essa função.

Como coloca Winnicott ( in Nasio, p. 184, 1995) médico psicanalista, presidente da Sociedade britânica de Psicanálise nos idos de 1956 a 1968, “nos primórdios da vida, as necessidades do bebê são além da  ordem corporal, há também as necessidades ligadas ao desenvolvimento psíquico do eu.”

A adaptação da mãe a essas necessidades do bebê concretiza-se através da forma como ela se oferece ao filho, como ela apresentará o filho ao pai e como esse filho-bebê irá recebê-los.

Essas apresentações por parte da mãe, nada mais são do que vínculos primitivos da mãe com o bebê cuja qualidade determinará a qualidade de vida desse ser adulto em particular.

Segundo os psicanalistas, Xavier e Tomazelli ( 2010), responsáveis pelo Projeto : “Uma página por dia”, que acontece no Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo – Capital, colocam  que a figura primária da mãe , apresenta uma posição de destaque quando a questão é alcoolismo e/ou dependência química.

E por que esse destaque?

Porque é através dela ( mãe) com as sucessivas inserções do bebê na cultura e  da construção adequada (no bebê)  de seu aparelho psíquico, que efetivamente o humanizará.

 

A concepção de humano ou do sucesso da humanização é resultado de um profundo e complexo processo de conquistas e crescimento dentro do mundo humano. De forma mais simples é poder propiciar segurança, através do amor, o crescimento e desenvolvimento do bebê levando-o aceitar que  ele, bebê, não é o centro do mundo e que dificuldades, falhas e erros, que a aprendizagem propicia, não são sinônimos de incapacidade humana.

 

Parece fácil? Mas não é!

A Dependência Química vem segundo autores psicanalíticos  Klein(1969), Bion (1975), Brenman (1991)  de falhas no processo de Humanização. Ao invés de instaurar o humano, instaura-se o ideal humano, isto é; o indivíduo passa  a experimentar  um sentimento de irrealidade a respeito de si mesmo, dos outros e da vida em geral, que só as drogas podem manter essa irrealidade.

 

 

O desenvolvimento da personalidade de qualquer pessoa é atribuído a três fatores: o 1º  às características genético-constitucionais, ou melhor, dizendo herança dos pais; o 2º. Fator, que tem um peso maior, refere-se às condições ambientais e aqui nesse caso, a qualidade da relação mãe e bebê que marca a 1ª infância e que é o título do nosso artigo; e o 3º fator  se refere aos acontecimentos que se sucedem na vida exterior real ( felizes ou traumáticos), influência de um convívio mais íntimo com novas pessoas ( professores, colegas, amigos, cônjuges )

Três vínculos, observados por Bion ( in Zimerman, 2010 ) são destacados nessa relação: o do Amor, o do Ódio e o do Conhecimento.

Do Amor– as diferentes formas de uma pessoa amar e ser amado se configuram dentro desta relação mãe e bebê, através da internalização. Os vínculos interpessoais, em grande parte, reproduzem os intrapessoais. Falando do bebezinho, aqui nessa relação, é o quanto de amor ele ( bebê )  sente quando a mãe oferece o peito para que ele possa se alimentar.

Do Ódio – Do mesmo modo, se o bebê pode se vincular à mãe através do amor pode também, através do ódio. Quem  já não viu uma  mãe tentando dar o seio ao bebê e esse vira o rosto, chora, se encolhe para não pegar? Segundo Bion ( 1975), psicanalista inglês, uma quantidade por demais excessiva de ódio no psiquismo da criança, continuada no adulto que ele será, promove uma serie de inconvenientes no desenvolvimento de uma personalidade.

Do Conhecimento – Considerada como uma função do psiquismo que faz a ligação adequada entre o pensamento e a realidade, e que vem do resultado da relação entre o sujeito e o objeto a ser conhecido. O conhecimento está intimamente ligado com a verdade e  realidade, mas como dentro desse contexto a verdade pode ser relativa e a percepção distorcida, o desdobramento se torna complexo. De qualquer forma, o vínculo emocional entre a mãe e o bebê, não só é abarcado de amor e ódio, mas também do conhecimento. É a busca pela mãe em conhecer esse filho e desse filho em 1ª instância pelo corpo da mãe.

Esse próximo vínculo, Reconhecimento, foi introduzido por Zimerman ( 2010)

Do Reconhecimento – 4º vínculo e de suma importância hoje, quando se trata de uma psicanálise contemporânea. “Ser reconhecido é uma necessidade do ser humano, que parte de 4 necessidades. A 1ª do reconhecimento de si próprio, a 2ª. do reconhecimento do outro, a 3ª. ser reconhecido ao outro como gratidão e a 4ª. ser reconhecido pelos outros como forma de manter a auto-estima”( Zimerman, p. 192, 2010 ) É muito importante o vínculo do reconhecimento na questão da inserção social do indivíduo nos mais diversos lugares, por ex –  família, escola, trabalho. É o sentir pertencente à. É a aceitação de seu pleno direito a compartilhar o mesmo espaço e os valores comuns a todos. Lembremos aqui da fase do adolescente, que busca aceitação e reconhecimento e por isso a rebeldia e que em alguns casos se utiliza das drogas para que isso ocorra.

Talvez esteja aí, no Reconhecimento ou na Humanização o início da viagem de volta para o entendimento do que foi a relação Mãe e Bebê no Dependente Químico.

Queremos esclarecer  que não há aqui culpados ( mãe e filho ) especialmente quando esta é mãe do dependente químico! Queremos sim, ressaltar  de  o quanto é importante para nossa saúde mental e qualidade de vida, entender esse início de vida relacional que tivemos com a mãe. Importante para aqueles que buscam serem pais, mas muitíssimo importante para aqueles que já são adultos hoje  e dependentes químicos.

Entender e Ressignificar essa passagem na  vida é a sua saída da Dependência Química!

 

Referências Bion, W.R. – Experiências com Grupos. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1975 Brenman –Crueldade e estreiteza mental in: SPILLIUS, E.B.(Ed) Melanie Klein Hoje: desenvolvimento de teoria e técnica. Rio de Janeiro, Imago, 1991, v. 1, artigos predominantemente teóricos, p 260-274 Klein, M – Psicanálise da Criança. São Paulo; Ed Mestre Jou, 1969 Nasio, J. D. – Introdução às Obras de Freud, Ferebczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1995. Winnicott, D. W. – O brincar e a realidade. Rio de Janeiro, Imago, 1979 Xavier e Tomazelli – gea-grupodeestudossobrealcoolismo.blogspot.com Zimerman, D. E. – Os Quatro Vínculos. Porto Alegre/RS, Artmed, 2010