Qual a carreira escolher e o quanto custa a dedicação para atingir essa meta são indagações que, com freqüência, geram crise e confusão entre os jovens dificultando a definição de um caminho profissional com o qual possam identificar-se.
Ao escolher uma profissão, o jovem busca não apenas ingressar por um caminho em que encontre conhecimentos, ganho de habilidades, competências e ampliação de convívio social, mas que tenha aliviadas as suas angústias em relação ao futuro.
O alinhamento de todos esses elementos com a realização pessoal é a chave que pode abrir a porta para uma travessia e uma ampliação de descobertas, ao fortalecimento da identidade profissional.
Recentemente temos visto em notícias de jornais e revistas que ainda a medicina tem a maior procura nas inscrições de vestibular. É bom ou Não?
Será que a maioria tem perfil para essa carreira ou trata-se de status ?
O jovem que escolhe medicina, segundo Georges Newman (2009), em um trabalho intitulado “ Some Notes on Medical Education in England “ é um homem de caráter elevado, capaz e disposto a manter a verdadeira dignidade de uma profissão, a viver à altura das elevadas tradições éticas da Medicina; de boa educação, interessado, ativo, instruído na sua vocação, com habilidade técnica e experiência médica, mas acima de tudo prático nas ideias , inspirado pelo espírito científico, de observação acurada, de habilidade na experimentação, de sólido raciocínio e interpretação.”
Segundo Neilton Araújo de Oliveira et AL (2008), a educação médica tem passado por modificações, quer da doutrina como da prática profissional, através de parâmetros biológicos, humanos e éticos, bem como de aspectos políticos e comunitários. Tudo isso está ocorrendo por conta das mudanças nos sistemas de saúde e sua implementação SUS.
Frente a essas modificações, percebeu-se que havia necessidade de desenvolver profissionais com esse novo perfil, pois o contrário ficaria muito difícil a tarefa de reorganizar modelos de atenção à saúde, conforme preconizado pelo SUS, identificados com os princípios de integralidade,humanização e qualidade da atenção.
Essa questão, do novo perfil do jovem que quer estudar medicina está tão preocupante, que recentemente o Jornal a Folha de São Paulo, do dia 14/05/15, fez um caderno especial denominado Seminário Folha – A Saúde do Brasil.
Frente essa nova grade, pautada na humanização, e ao novo perfil do jovem que quer estudar medicina, realizamos um estudo em uma Faculdade de Medicina, particular, para entender quem é esse jovem que ingressa nessa área. Após isso, desenvolvemos um programa de atendimento psicológico que o auxiliasse na condução do mesmo.
O estudo foi realizado em grupos de 10 estudantes no 1º ano de Medicina, totalizando 52, e foram analisadas: Estrutura Familiar, Personalidade e Estrutura Vocacional, para que dessa forma pudéssemos orientar esse jovem em sua travessia, de um curso tão complexo quanto tão humano.
Apresentação dos resultados
Como podemos observar a maioria, dos estudantes do 1º semestre de medicina, faz parte de uma estrutura familiar em que a força materna se faz presente e em segundo lugar se encontra a força paterna.
A estrutura matriarcal ainda se mantém forte quando se trata do cuidado com a família, seguindo padrões tradicionais. Conforme destaca Zimerman (2000), a função da família é a de prover a segurança, ou como ele mesmo diz: “função continente”. O cenário atual de transformações não tem favorecido que a família cumpra sua função.
A função materna pode ser resumida pelo conceito de Winnicott, isto é, da mãe suficientemente boa. Refere-se aquela mãe que é capaz de gratificar e de frustrar seu bebê na medida certa. É aquela mãe que consegue prover as necessidades físicas e emocionais – de alimento, calor, amor, carinho,… Sua função é a de ser continente, ou seja, acolher as angústias e ansiedades da criança e depois devolvê-la modificada. Por outro lado, essa mãe pode frustrá-la na medida certa, sabendo estar ausente (ZIMERMAN, 2000).
A função paterna, segundo Zimerman (2000), também é muito importante. Está relacionada a proporcionar estabilidade, segurança e apoio à mãe, na tarefa de cuidar e de educar a criança. É, especialmente, do pai a função de colocar limites, auxiliando no processo de separação-individuação, necessária para o desenvolvimento saudável do filho.
Esse gráfico nos mostra que a maioria que hoje escolhe medicina se encontra no gênero feminino, corroborando com a ultima pesquisa apresentada em matéria do Jornal a Folha de São Paulo, do dia 14/05/15, Seminário Folha – A Saúde do Brasil;
“ Mulher , jovem e branca. Mora com os pais, nunca trabalhou, sempre estudou em escola privada e fez ao menos dois anos de cursinho para entrar na faculdade. Os pais têm curso superior e ganham acima de dez salários – condição de menos de 3% da população brasileira”. ( dados apresentados pelo Cremesp, extraídos do exame que se tornou obrigatório para quem deseja atuar no Estado).
Por que estudar Medicina ?
Como podemos observar, o Desejo de Ajudar se encontra em 1º lugar do motivo da escolha Essa motivação vai de encontro ao novo perfil do jovem médico que tem sua base na humanização; mas também vai de encontro ao que foi apresentado na matéria do Jornal a Folha de São Paulo, do dia 14/05/15, Seminário Folha – A Saúde do Brasil; que coloca na pg 10, a entrevista de Rafael Gomes , “que no início do curso queria ser o Patch Adams, conhecido por seu estilo baseado no afeto e na proximidade com os pacientes e com o tempo, mais provável seria virar um dr House, que sabe tudo da medicina, mas quer distância de gente”.
Segundo Dini e Batista22, a expectativa central de todos os alunos, durante todo o curso de medicina, é ser um bom médico, mas uma visão idealista inicial vai progressivamente mudando para uma visão mais realista da profissão e no início do 6° ano sua expectativa está totalmente voltada para o sucesso nas seleções de residências. O que poderíamos discutir é se nessa visão de bom médico estaria incluído, intrinsecamente, atividades de pesquisas e, ainda, perguntar: como gostar e entender o papel importante da pesquisa na preparação de um “bom médico”.
Em segundo lugar o resultado veio por terem Pais médicos. Muito comum nessa área e principalmente em se tratando de famílias tradicionais. Rocco ( 1992, p. 49 ) chama de razões inconscientes “ identificação maior e menor com os pais, o que leva a preservar e continuar seus valores.
Em terceiro lugar a Admiração pela profissão. A visão idealizada do estudante com relação ao médico, em geral se estenderá para a Faculdade de Medicina e resultará em frustração se não for trabalhada ao longo do curso.
A adaptação à Universidade somada a experiência de sair de casa pela 1ª vez e suas consequências; não há garantia de afeto e de cuidados que assegurem a sobrevivência no cotidiano. Tudo está por conta desse adolescente: organizar o dia-a-dia, descobrir um jeito novo de estudar e estabelecer novos vínculos afetivos. Nessa nova vida enfrentará o contato com pessoas diferentes, a ameaça do trote, as festas, a bebida, as drogas disponíveis e algumas vezes impostas, e as 1as decepções. Dessa forma, não há espaço para dividir ou expressar suas emoções, tendo até que escondê-las por receio de ser acusado de ser muito frágil, sensível e não servir para ser médico.
Personalidade
Segundo o gráfico podemos ver que a sua maioria se apresenta de forma posicionada frente à vida, com certa ansiedade, insegurança e idealizado.
A característica da ansiedade e idealização é muito pertinente ao jovem que escolhe essa área, embora hoje, ao observarmos pela ótica da geração Y, encontramos entendimento para a mesma. A geração Y foi evidenciada pela globalização e grande movimento tecnológico. Segundo Maciel ( 2010 ),desde pequenos esses jovens interagem com a tecnologia da informação com grandes avanços e aperfeiçoamento. Este movimento resultou na impaciência e senso de imediatismo entre seus pares, fazendo que os prazos sejam diminuídos e pensamentos de viver “ o agora”. É uma geração que prioriza o equilíbrio entre a vida pessoal e pessoal.
Estrutura Profissional
Como podemos observar, a estrutura vocacional ( Foi utilizado um instrumento baseado na teoria de Holland, 1973 ) do estudante de medicina, em sua maioria, está em 1º lugar, na Social Investigativa que significa que gosta de lidar e interpretar pessoas através do raciocínio lógico abstrato e em 2º lugar, o inverso, Investigativo Social, significando um perfil mais voltado para pesquisa e análise mas também gostar de lidar com pessoas.
Essas estruturas fazem parte do perfil voltado para Medicina e portanto podemos constatar que a maioria de nossos ingressantes se encontram no curso certo.
Ancoragem de Carreira
Outra forma de analisarmos os estudantes, em seu perfil profissional, está em que tipo de base se apoiam ao escolher a carreira ( Foi utilizado um instrumento baseado na teoria de Schein, 1980 )
Como podemos verificar, no gráfico, a sua maioria leva em consideração o Estilo de Vida que significa unir e adequar o aspecto pessoal com o profissional. O jovem não abre mão de uma situação que lhe permita equilibrar e integrar suas necessidades pessoais, familiares e as exigências de sua carreira. Necessita fazer todos os principais segmentos de sua vida trabalhar em conjunto para um todo integrado e, portanto, precisa de uma situação de carreira que lhe dê suficiente flexibilidade para alcançar tal integração. Sente que sua identidade está mais vinculada ao modo de viver sua vida como um todo, onde você se estabelece, como lida com sua situação familiar e como você se desenvolve, do que com qualquer trabalho ou organização, ou ainda sucesso na carreira.
Em 2º lugar Serviço e Dedicação, que significa , que não renunciariam à oportunidade de procurar um trabalho onde pudesse realizar alguma coisa útil, como por exemplo tornar o mundo um lugar melhor para se viver, solucionar problemas ambientais, melhorar a harmonia entre as pessoas, ajudar aos outros, melhorar a segurança das pessoas, curar doenças através de novos produtos, etc. O Jovem busca essa oportunidade, mesmo que isto signifique mudar de organização e não aceita transferências ou promoções que o desviem do trabalho que preencha esses valores.
Essa é uma âncora ou base muito importante para o novo perfil do estudante de medicina que tem a humanização como meta. Dessa forma, dar continuidade em atividades no currículo que buscam a humanização se fazem necessárias para que ao chegarem no 6º ano, continuem nessa meta.
Segundo Giovanni Guido Cerri , diretor da AMB , em entrevista apresentada no Jornal Folha de São Paulo, datada de 14/05/15, “ Ainda falta o estudante conhecer com mais profundidade o SUS e as características da nossa saúde pública e privada. O Brasil é complexo, e precisamos formar os médicos adequados para um país assim”
Em 3º lugar temos o Técnico Funcional, que significa que esses jovens, não abririam mão da oportunidade de aplicar suas habilidades nessa área e de continuar desenvolvendo essas habilidades a um nível cada vez mais alto. O senso de identidade com o exercício dessas habilidades o levam totalmente a se realizarem quando o trabalho permite ser desafiado nessa área.
O ensino médico embora tenha dado ênfase na parte da humanização, não podemos negligenciar o aprendizado técnico, pois o mercado pede um profissional técnico e rápido.
Frente aos resultados apresentados, podemos evidenciar que em sua maioria, os estudantes de medicina analisados apresentam o perfil para essa área.
O que percebemos, também, que necessitam de apoio para o desenvolvimento da maturidade no acompanhamento desse curso. Portanto, programas psicológicos ou acompanhamento de carreira com psicólogo especializado na área se fazem necessários para que esses jovens da geração Y e Z possam ajustar a necessidade interna com a externa, que é trabalhar cuidando da saúde de uma sociedade sofrida e carente.